27/12/2012

Retrospecto - Se chorei ou se sorri...

Em meu último post, já havia feito uma despedida, acreditando, pelo meu próprio retrospecto, que não voltaria aqui antes do fim do ano. Mas voltei. Metamorfose ambulante, vocês sabem. Voltei porque assistindo alguns vídeos e lendo alguns textos, resolvi fazer uma pequena retrospectiva do meu ano. 

Dessa vez quero lembrar meu ano através de algumas coisas que me emocionaram.

20/12/2012

Passará!


O mundo vai acabar de novo. Decida como!

Foi inspirado por Giovana (mais uma vez) e pelo Gabriel (de novo também) que resolvi escrever este texto. Foram os dois que me inspiraram a abrir e manter esse blog, aliás, devo dizer. Bem, dizem por aí que o mundo vai acabar amanhã. Mas esse assunto é tão velho e batido que com apenas pouco mais de duas décadas de vida, já presenciei alguns finais de mundo.

29/11/2012

Parábola da Paz

Quem tiver ouvidos, ouça...

Era uma vez um empregado. Mas não era um empregado qualquer. Era um empregado daqueles que mandam em outros empregados. E era um dos empregados preferidos do chefe. Discreto, seriíssimo, acima de todas as suspeitas – até prova em contrário.

Era uma vez um chefe. Era do tipo malandro, metido a esperto e não tinha qualquer respeito por seus clientes. Dizia que tinha, fingia que tinha, mas estava mais interessado em si mesmo. Aumentar seu poder, multiplicar seus lucros, tornar-se imbatível, este era seu objetivo.

10/10/2012

A carta

Atravessa o salão lotado e entrega nas suas mãos. Pede desculpas por eventuais erros de português. Aí você abre a carta:

(...) eu peço a ajuda de vocês para que essas diferenças acabem e que nossos jovens e adolescentes possam sair de casa sem medo de serem agredidos ou extorquidos.

22/08/2012

Tratado em Defesa do Sonho

Eu acho que a questão do sonho é que nos mantém vivos, 
eu acho que não existe vida sem esperança e a 
esperança tem essa versão do sonho, porque você imaginar 
e agir somente em função do possível, 
eu acho terrivelmente chato.
Betinho

No último mês, precisamente no dia 11 de julho, mais precisamente em um seminário promovido pelo Alto Comissariado da ONU, ouvi uma sentença que costuma me irritar. Foi assim: depois de eu fazer uma breve explanação sobre o tema do dia, insistindo incisivamente em um compromisso global para compartilhamento das responsabilidades na promoção dos Direitos Humanos mais básicos (tal como alimentação) nos países sem capacidade técnica/financeira/pessoal para fazê-lo, veio a maldita sentença. Mais ou menos desse modo: "Que lindo", um sorriso. "Que bom se todos pensassem assim". Sorriso amável. "Precisamos de sonhadores". Um risinho esganiçado. "Agora vamos voltar ao mundo real". Ponto.

06/08/2012

Elisa e a Poesia (ou: a matéria que não saiu)

O milagre da poesia*
Elisa Lucinda ministra aula aberta de Poesia Viva em sua Casa Poema, no Rio de Janeiro

Fotos: Natássia Carvalho

Rio

É como se fosse uma pregação religiosa. Hipnotizados, em profundo silêncio – quebrado aqui ou ali por gargalhadas e comentários bem pontuais -, todos ouvem atentamente a poetisa: “A palavra também faz parte da estética. Pode enfeitar ou enfeiar a pessoa. A poesia é o instituto de beleza das palavras”, começa Elisa Lucinda,  para os trinta pares de olhos atentos a cada traço, à sua menor expressão.

01/08/2012

Pitacos

[Depois de muito tempo, resolvi voltar. Desculpem. Não prometo que isso não vai acontecer de novo. Mas vou me esforçar. Isso eu prometo. Neste pouco mais de um mês de ausência, tive algumas boas ideias e escrevi um ou outro texto (não finalizados) para postar aqui. Só que resolvi abandoná-los por um instante. Deu vontade de escrever "hard news". Dar uma pausa na subjetividade que repousava neste blog em seus últimos posts. Quebrar a cara com opiniões polêmicas que não rendem um só comentário ou previsões exageradas que não se confirmam. E então bateu uma dúvida: falar sobre o que? Tanta coisa que quero falar. E porque não falar de "tanta coisa", ora pois?! Depois de tanto tempo, acho que tenho direito a um post um pouco mais longo - e denso - que o comum, não? Talvez não seja uma boa ideia, um bom cartão de visitas para quem voltar a visitar este blog. Assim como certamente não foi uma boa ideia todo esse preâmbulo em que não digo nada, absolutamente nada. Mas espere! Agora sim é que vou começar...]

06/06/2012

Por que não?

Entre o preto e o branco existem 256 tons de cinza. Esta é uma lição importante não apenas para quem trabalha com paletas de cores.  É um ensinamento que exige atenção. Existem muitos jornalistas arrogantes, mas nem todos são. Nem toda cultura neopentecostal é alienada (ou alienante) politicamente. Nem todas as feministas são histéricas. Nem todos os policiais são maus, ambientalistas não são chatos em sua totalidade . Lutar contra o maniqueísmo [fácil, simples, redutor] é um exercício diário.

10/05/2012

A Praça

Vencer a violência, vencer essa tristeza. É só uma parte deste começo.
Trecho de uma canção do CD Minha Vida, Minha Música (Borel)

Amantes das Artes - Dança de Rua

Não tem jeito, vira e mexe a gente acaba retornando ao lugar onde estamos. Mais uma vez, falarei sobre o Borel. Já contei aqui sobre as mulheres, os meninos, a comerciante prestes a ser despejada. Hoje não quero falar de um grupo específico. E me desculpem se restar a impressão de samba de uma nota só. É que determinados acontecimentos, determinadas coisas, determinados lugares nos tocam de forma tão profunda que vira uma quase obrigação compartilhar com o mundo. 

O dia foi sábado. O local, a Praça Xavier de Brito - tradicional recanto da família tijucana que leva seus filhos para passearem a cavalo nos fins de semana, em um cenário quase bucólico, quase interiorano: um chafariz, um coreto, parquinho, árvores, os velhinhos jogando baralho. O objetivo eram vários e era um, integração. Entre as sete favelas, entre as favelas e o bairro, entre o Estado e as pessoas.

Ao construirmos o projeto, junto com as comunidades, a partir da comunidade, pensamos em invadir aquela praia. Chamar a atenção dos nobres tijucanos sobre a produção artística, social e de geração de renda existente nas favelas do entorno - que, anote-se, não foram inventadas após a "pacificação", mas já existiam e continuarão a existir com ou sem ela. Era um presente, na verdade, ao asfalto: com o "Comunidade na Praça", buscávamos (re)apresentar a parte alta do bairro, com todos os seus talentos e com o mínimo de estereotipia possível. E não é que conseguimos*?

E se não há como descrever com exatidão o que se passou, acho que algumas imagens dão conta de colorir esse meu relato: a artesã tijucana que descobriu que não precisa viajar mais à Copacabana em busca de costureiras, ao contrário, conheceu o grupo de artesãs comunitárias que se reúne a poucos metros de sua casa e contratou duas ali, no ato; o produtor cultural garimpeiro de jovens talentos que, estando na praça, descobriu algumas preciosidades, trocou contatos com os grupos e apresentou-lhes seu projeto de intercâmbio cultural com universidades americanas; a senhora, já bem velhinha, que descobriu, espantada, que aquela rádio que animava a praça [Rádio Comunitária Grande Tijuca] existia "de verdade"; a outra senhora, um pouco mais velha, que quis subir ao palco para dançar funk e dança do passinho com a molecada da Casa Branca; a piscina de bolinhas lotada de crianças e com uma coloração especial: pretos, brancos, ruivos, Estrada da Independência, Conde de Bonfim, Casa Branca, Borel, Chácara...

A todos estes, soma-se um momento, logo no início da manhã, em que a Praça parou para ouvir o que se passava no palco (palco, aliás, que muito me orgulho de termos conseguido reunir uma pluralidade incrível de grupos artísticos, da música gospel à black music, dança contemporânea à capoeira, todos daquelas sete favelas). Foi quando o baterista de uma das bandas deixou a batera e foi para o microfone. Em alto e bom som entoou o Funk do Borel, um hino que me emocionou e tocou todos que passavam pelo local. Foi o aplauso mais forte, mais sentido, mais consagrador que seu ouviu naquele dia. Não apenas pela (excepcional) banda que estava sobre o palco. Mas sobretudo porque a canção sintetizava um pouco daquilo tudo que estávamos fazendo ali. 

Prazer, Tijuca, nós somos o Borel.

Funk do Borel. A praça parou. Para um segundo pra ouvir também.




Matéria sobre o evento. Dá pra ver um pouco do que escrevi aí em cima.





* quando estou falando em primeira pessoa (nós), não me refiro à equipe de trabalho da qual faço parte. Falo de nós todos envolvidos no evento - a equipe, as associações, ONGs, os grupos artísticos, todos nós.

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Em tempo: que belíssimo o julgamento sobre as cotas raciais no STF. Emocionante a unanimidade. Juridicamente incontestável a decisão. Quebrou o coro dos intelectuais de "sofismas e argumentos tortos", como disse Miriam Leitão em brilhante artigo sobre as cotas. Uma por uma, as falsas questões foram sendo derrubadas. Foi emocionante! Uma vitória sem precedentes!

23/04/2012

Salve, Jorge!

Eu andarei vestido e armado com 
as armas de São Jorge. Para que 
meus inimigos tendo pés não me 
alcancem, tendo mãos não me peguem, 
tendo olhos não me exerguem nem 
pensamentos eles possam ter 
para me fazerem mal.

Meia-noite de 23 de abril e no céu do Rio de Janeiro começam a pipocar fogos. A cidade é despertada para celebrar o santo guerreiro, Jorge de Capadócia, mártir venerado na igreja católica e cultuado como Ogum nas religiões afro-brasileiras.

Durante muito tempo vivi alheio à figura São Jorge. Devoto de Francisco de Assis e Nossa Senhora Aparecida, nunca entendi o fascínio que o guerreiro exercia sobre uma multidão que enchia as ruas e as telas da TV em que assistia, à distância, com procissões, cultos, festas. Hoje compreendo. E também faço parte da massa.

Quero ser breve, porque um dia pretendo escrever de forma mais profunda sobre isso, mas acredito que a devoção a Jorge tem muita relação com a metrópole. Se antes o culto me intrigava, depois que passei a morar no Rio de Janeiro ele me pareceu muito natural. Como se, ao viver neste lugar, automaticamente me tornasse devoto deste santo protetor.

Retornando à questão que quero tratar neste post: acho que a metrópole te obriga a empunhar as armas de Jorge. Sei que é uma fé que existe em todas as regiões do país (e do mundo), inclusive aquelas rurais e periféricas, contudo acredito que na metrópole, em especial, estamos expostos a tantos perigos, tantos riscos, são tantos os dragões, que vestir essa armadura se impõe como uma necessidade primária - não só na metrópole, na sociedade moderna como um todo; mas especialmente na metrópole, me entendam.

Diante de todos os dragões, a invocação a Jorge é uma arma a mais para a luta. Junto com o terço mariano, para uns; as guias dos orixás, para outros. É no sincretismo tão tipicamente brasileiro que a fé em Jorge floresce.

Hoje é dia de Jorge. Dia dos guerreiros. Daqueles que têm que vencer um dragão por dia para sobreviver. Têm que se desviar da bala, dos carros, do prédio e até do bueiro. Da vizinha fofoqueira, do colega invejoso, do patrão mau caráter. Dos inimigos inimigos visíveis e invisíveis. Hoje é dia de comemorar a luta, a vitória nossa de cada dia nesta terra louca para nos devorar.

Amém! Saravá!



11/04/2012

O Fantástico Mundo de Jader no Purgatório da Beleza e do Caos - Ano I

Coisa mais linda, cheia de graça...
Foto belíssima do amigo Weder Ferreira

Há exato um ano, saí de casa rumo ao que muitos chamavam de "ilusão". Aquela cidade cheia de encantos mil seria inverossímil fora das lentes ficcionais de Manoel Carlos. Outros, e essa ala também era grande, acreditavam que eu estava cometendo uma loucura. Trocar a cidade pequena, os amigos tão próximos, o aconchego da família, pela metrópole conturbada que viam nos jornais não podia ser uma decisão sábia.

Não tiro a razão de um grupo nem de outro.

Encontrei a ilusão. Nas esquinas do Morro, nas ruas da Lapa, na Quinta lotada para gritar a Consciência Negra, na Casa Verde em que estou internado desde que cheguei aqui, nos bares, nos lares, estádios, nas amizades que fiz.

Encontrei também a realidade, nua e crua, bem ao gosto do freguês: os racistas escondidos na sacristia, os mesmos de sempre fazendo os mesmos de sempre com os mesmos de sempre, a política em sua pior forma, o garoto que revirava o lixo à procura de comida, o garoto maltrapilho que me levou vinte reais na saída da rodoviária, o esgoto, o descaso, a mentira.

[pobreza de espírito essa nossa mania de achar que a felicidade é ilusória enquanto a crueza da vida, somente ela, pertence ao mundo real]

Eu e os melhores momentos, ao lado das melhores pessoas

A vida deu um giro e a impressão é que vivi mil anos em 365 dias. Envelheci. Rejuvenesci. ♪ Mudaram os horários, hábitos, lugares, inclusive as pessoas ao redor / São outros rostos outras vozes, interagindo e modificando você 

Mas acho que as experiências, os fatos, as emoções deste último ano já estão devidamente registradas neste blog (pode ler aqui, ou aqui, ou então aqui, ou mesmo aqui, se quiser aqui, aqui uma vez mais, e em muitos outros). Neste post quero sobretudo agradecer publicamente:

- aos que, concordando ou não, respeitaram minha decisão e compreenderam o quão importante para mim era vir para cá (mãe, pai, Vini, Bia);

- àqueles que me fizeram sentir em casa aqui (Anderson, Anelise, Clarissa, Isis, Mari, André, Bruno, Lu, Tete, Vivian, Ricardo, Jo, Livia, Tati, Aline, Victor e, claro, Borel);

- aos que me ajudaram de alguma forma neste processo (Gabriel, Léo, Pingo, Sheila, Lucas, Ana, Mads, Dona Helena);

- e à todos, enfim, que me fazem sentir saudade imensa de Volta Redonda (Giovana, Ricardo, Fernanda, Tássila, família, JC, Jo, garoto que roubou o coelho na Praça Brasil - porque, na moral, tem coisas que só acontecem em VR! rs).

Obrigado a todos - e especialmente aos que esqueci de listar, mas de antemão já me perdoaram!

E aos que tinham medo, aos que tinham dúvidas, quero tranquilizá-los. A cidade que sempre sonhei, sempre amei e sempre desejei viver é ainda melhor do que eu poderia imaginar. 

Por que escolhi esta foto para encerrar? Não sei. É na Providência,
só para constar. E foi espontânea. Gosto dela.

23/03/2012

A Cidade dos Outros

 

Comentava neste fim de semana com a Bia, enquanto passávamos por uma obra na região portuária do Rio, próximo à rodoviária: "Acho que passadas todas as turbulências, o Rio será uma cidade melhor para se viver. Mais organizada, melhor planejada, com mobilidade mais simples. Acho que será uma cidade mais moderna. Para quem conseguir sobreviver a ela".

Acredito mesmo que o Rio será, do ponto de vista urbanístico, uma cidade melhor pós-2016. Mas não será uma cidade para os que a construíram (o que, admito, é um contra-senso, pois o melhor dessa cidade é seu povo - e isso não é um clichê). Será uma cidade melhor, mas destinada a outro povo, construída para uma outra classe. Neste novo Rio não caberão os cariocas da gema que hoje andam pelas quebradas da cidade. Não caberão os malandros, a não ser aqueles de terno e gravata. Não caberão as mulatas dos requebros febris. Este Rio que está sendo construído, da forma com que está sendo construído, é para uma outra gente.

Não é uma previsão apocalíptica, antes fosse essa minha mania de ser exagerado. Desta vez, apenas me reporto aos fatos. Vamos a eles:

O Morro da Providência é a primeira favela do Brasil. Guarda um pouco da história do Rio e da cultura brasileira em suas casas, em sua gente. Casas que vão ser demolidas, gente que vai ser removida. Pois pasmem: mais de oitocentas casas estão previstas de serem derrubadas, por baixo pode-se pensar em três ou quatro mil moradores. Serão mandados para algum ponto da cidade. No lugar do imóveis que vão para o chão, passará um teleférico. Lá em cima onde os garotos jogam bola, será construído um mirante. Os turistas certamente vão adorar a vista.

O porteiro trabalha em um prédio na Vila Isabel. Foi no bairro que ele cresceu e morou por muitos anos, pagando um módico aluguel em um apartamento perto do Morro. Mas de repente Vila Isabel deixou de ser um bairro que cabia em seu bolso. Comprar seu próprio lugar virou tarefa impossível depois que o preço dos imóveis triplicou em curto espaço de tempo. Foi para Campo Grande, do outro lado da cidade. Para chegar ao seu trabalho, acorda quatro e meia da manhã. Vem de trem porque "só demora uma hora para chegar". A filha insiste em ficar por aqui e alugou uma casinha no Engenho Novo. De vez em quando vai visitar os pais na longínqua Zona Oeste. Só de vez em quando.

A dona da venda também vai ser removida. Ela mora na Indiana, uma das favelas que integram aquilo que o poder público agora resolveu chamar de Complexo do Borel, um aglomerado de sete favelas na Tijuca. Moradora da região há quase trinta anos, agora a pequena comerciante vê-se na iminência de ser mandada para um dos imóveis que o governo construiu em Triagem. Não me pergunte onde fica. "O apartamento até que é bom", começa o filho, "mas nossa vida está construída aqui", completa a mãe. Por vida, entenda-se a escola, os familiares, o posto de saúde, o espaço onde eles resolveram vender seus produtos artesanais há poucos meses para compor a renda familiar. "Nem regularizamos ainda porque dizem que vão nos tirar daqui, remover. Depois vou ter que pagar tudo de novo se eu for para outro lugar?", pergunta. A alternativa para a família, se não quiser ir para Triagem, é receber uma indenização do governo para procurar um imóvel por conta própria. O valor da indenização parece piada. E deve ser: entre dez e vinte mil reais. "Só este ponto custou trinta", revela a mulher, enquanto enumera as economias, empréstimos e prestações que fez para comprar o espaço de dois metros quadrados.

O Maracanã! Maior templo do esporte mais popular do país. Quase um bilhão em obras, cerca de trinta meses parado. Quando chegar ao fim, será um dos estádios mais modernos do mundo. O campo, explica o repórter, vai ser rebaixado em tantos centímetros, a arquibancada estará a apenas tantos metros do campo, a cobertura será totalmente nova em material sustentável de última tecnologia, os cento e dez camarotes serão mais espaçosos, mais luxuosos, com melhor visão de campo. E a Geral, seu repórter? Onde ficarão as arquibancadas populares? Me explica nesta sua reportagem: povo vai sentar em que lugar? O anjo rubro-negro, o Barack Obama brasileiro, o papa tricolor, os caixões dos adversários, as faixas "mãe, to na Globo", nada disso terá espaço na arena? Não combinam mais com o Novo Maracanã?

Está nascendo uma nova cidade. A dos milionários que gastaram meio milhão de reais na noite de inauguração da Daslu carioca. A dos empresários que escondem bem escondido o dinheiro da propina na garrafa de whisky. A do filho de empresário dono de uma fortuna de trinta bilhões de dólares que vai ao twitter dizer que vai fazer caridade por pagar o enterro de oito mil reais do ciclista pobre que ele matou. A da madame que mora numa cobertura em São Conrado, a cem metros da maior favela da América Latina, e acha um absurdo o traficante preso ter uma mansão de dois quartos e uma piscina enquanto pessoas a seu lado vivem em condição de miséria.

Um novo Rio está nascendo. Mas não se alegre, ele não foi feito para você.



Tá vendo aquele edifício moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me chega um cidadão
E me diz desconfiado, tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer

Cidadão - Zé Geraldo




16/03/2012

Amenidades

Voltei. Andei meio sumido do blog, das redes sociais, do mundo virtual. A vida real anda muito corrida, sobra pouco espaço para essa aqui. Nesse tempo, tive muita vontade de dizer ao mundo algumas coisas – porque, afinal, é para isso que se escreve aqui, não? Para que o mundo leia nossos anseios, angústias, reflexões, devaneios. Ainda que o mundo se resuma aos seus habituais cinco ou seis leitores.

Quem acha o contrário que escreva seus textos em um caderno! Eu mesmo tenho um em que escrevo o que não quero (ou não posso) escrever aqui. Escrevo só para mim mesmo. Abro de vez em quando. Leio. Risco. Avalio. Comento – no próprio caderno. Mas aqui não! Aqui escrevo o que quero público, o que quero expor, o que o mundo pode ler.
Um dia terei coragem de publicar aqui alguns textos de lá. Tem um, aliás, que valeria a minha cabeça (e confesso que posso estar exagerando para supervalorizar meu caderno). Mas hoje não! Hoje quero escrever apenas amenidades. E vamos a elas, depois deste preâmbulo inútil:
Oscar
Paguei minha dívida com o Oscar no último fim de semana. Fui assistir três dos principais filmes que concorreram à premiação este ano: O Artista, A Invenção de Hugo Cabret e A Dama de Ferro. Os três são ótimos filmes, especialmente os dois primeiros, ambos uma homenagem ao cinema e ao encantamento que sua magia produz em nós, espectadores (o terceiro vale sobretudo por Meryl Streep).

Carnaval
É péssimo para o carnaval que aconteça o que aconteceu este ano: um abismo entre o resultado oficial e a opinião popular. A Vila Isabel foi consagrada por público e crítica (que nem, sempre combinam), mas os julgadores não enxergaram o mesmo desfile. E o que foi pior este ano é que a discrepância entre público e jurados não esteve restrito ao topo do pódio, como já aconteceu outras vezes. Desta vez, o resultado foi contestado do início ao fim.
A Portela não merecia apenas o sexto lugar. E a Mangueira? Quem faz o que a Mangueira fez na e com a Sapucaí na segunda de carnaval não pode ficar fora do desfile das campeãs. Ainda mais com uma inexplicável Grande Rio entre as primeiras (enredo fraco, samba fraquíssimo, desfile morno).
Isso sem contar os injustificados nono e décimo-primeiro lugares de Mocidade e São Clemente, respectivamente. A Liesa precisa rever já este modelo de julgamento e o próprio corpo de jurados. Um belíssimo carnaval como foi o deste ano não pode terminar tão lacônico na quarta de cinzas.

Rio
E não é que mês que vem faz um ano que estou morando no Rio? Incrível como voa. Mas não vou escrever nada agora não, porque a data vai merecer um texto específico. Apenas é bom registrar: não era apenas uma ilusão.

Jogo
E o Flamengo, hein? Peguei ônibus, peguei trânsito, peguei chuva e fui ao Engenhão. Ah, Flamengo! Como escrevi há pouco no facebook e reproduzo aqui:
Torcer para um time é tão desgastante, demanda tanta energia, que às vezes me pergunto se não seria melhor ser indiferente, assitir SBT às quartas à noite, simplesmente não torcer. Mas isso não é algo que se escolhe. Felizmente.

Mestrado
Começou! Mas esta não é uma amenidade. Estou adorando. Só que não é amenidade, fato! Ou seja, fora daqui!

Mais
Tinha mais coisa que queria falar. Mas chega. Hora de desligar os motores. Deixa para a próxima. Quem sabe não vem aquele do caderno?

14/02/2012

Com muito orgulho?


Este foi o país que deixei para trás. O que encontrei na volta, não reconheci.



Nunca pensei que fosse escrever um texto desses.

É preciso fazer esta ressalva inicial para que nenhum desavisado pense que não sou eu o autor. Mas, sim, pela primeira vez na vida senti uma ponta de vergonha por estar no Brasil, viver neste país, ser brasileiro. Foi na sexta, voltando do Chile, pisando em terras tupiniquins. Talvez tenha sido o contraste com o que vivi em minha semana chilena. Talvez não seja apenas isso.

Bem, vamos aos fatos. Eles são auto-explicativos:

1. Descer no aeroporto de Guarulhos foi um choque de realidade que eu não poderia prever. Depois de sair de um belo e organizadíssimo Aeroporto de Santiago, me deparei com aquilo que os jornais brasileiros martelam em nossas cabeças há alguns anos – e, sinceramente, nunca havia compreendido com exatidão: longos minutos de espera, dentro do avião, na pista, aguardando pela liberação do “tráfego”; troca de aeronave na última hora; terminal superlotado e quente; a única funcionária, coitada, berrando para que os passageiros se dirigissem à fila (não exagero no berrando); confusão, confusão e mais confusão. E, sobretudo, desrespeito conosco, com turistas, com as pessoas que estavam ali. Desrespeito por toda parte.

2. O pior fato de todos. O que mais entristeceu e humilhou. Em pleno Rio de Janeiro, revista seletiva para o casal de negros que passava pela sala da Receita Federal. Se você é do tipo que prefere acreditar que não existe mais preconceito no Brasil, que somos todos iguais, que vivemos em uma democracia racial, lamento dizer que esse seu país utópico não existe. No Chile não há negros (se existem, são pouquíssimos. Uma versão que ouvi por lá é de que os escravos vindos da África não resistiram ao frio). Pois bem, no Chile fomos respeitados e inclusive admirados. Aqui, passamos por constrangimento no aeroporto. Não cabe entrar em detalhes. Apenas é importante registrar: por sermos negros passamos por revista diferenciada dos demais naquela noite – que sequer foram revistados, aliás. É triste demais que isso aconteça em casa.

3. Na saída do aeroporto, o táxi!!! Triste ver como se aproveitam daqueles que vão passar uma temporada na cidade. Maldita mania de querer levar vantagem. Para ir à Vila Isabel, queriam que eu desembolsasse R$ 85. Não, claro. Se fosse este valor, argumentei, pegava um ônibus na pista. Não era um turista, percebeu. Trocamos de taxista. Negociamos um pouco mais. No fim, a corrida saiu por R$ 60. E cairia mais se tivéssemos insistido. Mas, quer saber?, depois disso tudo, me rendi. Em quinze minutos estávamos na rua barão de Cotegipe. Em casa, enfim.  Perplexo.

Não foi a alta de organização que doeu. O terminal quente é o de menos. Doi é o desrespeito, a discriminação, a “esperteza”. Doi que tudo isso aconteça aqui, logo aqui, neste lugar que tanto amo e que tanto proclamo meu amor.

Depois de uma viagem incrível, tive a impressão de que, ao embarcar para o Chile, deixei um Brasil para trás e encontrei outro quando voltei.

Talvez eu é que tenha mudado. Talvez não seja apenas isso.

Tomara, isto sim, é que este nosso país mude.




* Os que me conhecem sabem. Mas isso aqui é internet, né? Não é só quem me conhece que me lê. Então deixa eu dizer: amo o Brasil, minhas cores, minha bandeira. Sou um eternamente apaixonado pelo Rio de Janeiro, carioca por adoção, quero viver pra sempre nesta cidade. Os fatos que listei não alteram meu sentimento sobre meu território. Apenas aguçam minha percepção sobre isso aqui e me dão ainda mais gás para lutar por um país verdadeiramente justo, livre e em progresso.

04/02/2012

Ela


Sexta-feira, 03 de fevereiro

23h10

Faltam apenas 12 horas. E enquanto cuido dos últimos e mínimos detalhes (a mala, a máquina, o livro), me recordo que nunca escrevi sobre Ela aqui, neste blog, para vocês. Evidentemente já falei da Bia em alguns posts. Mas um sobre Ela, só sobre Ela, só para Ela, nunca.

Por onde começar? Já falei sobre o amor aqui. Sobre o poder do amor e de como ele é central em minha vida. Seria bom então começar esse texto dizendo que hoje o amor para mim tem um nome. Chama-se Ana Biatriz Barbosa de Souza Paixão. Bia, para os íntimos. Amor, para mim.

Sim, Biatriz com “i” como só Ela é. Linda como só Ela é. Teimosa como só Ela. O amor da minha vida... só Ela. Foram tantos os momentos, é tanto o que sinto, que este texto nem deveria ter começado, porque certamente ele vai ficar muito aquém dEla.

Mas topei o desafio. Imposto por mim mesmo, logo esclareço. Porque não foi Ela que pediu. Ela sequer lê esse blog. Amanhã no hotel – ou domingo, já no Chile – terei que contar a Ela que tem um texto sobre Ela no meu blog. E aí Ela provavelmente vai dizer que lê depois. E vai demorar alguns dias para ler. Talvez leia. Só talvez.

Sabe amor à primeira vista? Então, não foi assim com a gente. Sabe aquelas loucuras de amor, tipo viajar horas a fio só para vê-la antes de embarcar para uma longa viagem? Também não teve. E noites tórridas de paixão? Tampouco. Nada disso teve.

Teve o que então, Jader? O que sustentou por (quase) seis anos, ora? Por que acha que vai sustentar pelos próximos 70?

Teve conquista. Teve carinho. Teve risos. Abraços. Saudades. Encontros. Teve aquela vez que perdemos o último ônibus em Itatiaia e tivemos que pedir carona à Nova Dutra. Amasso. Carícia. Desejo. Uma viagem de 10 horas e um dia inteiro à base de Passatempo. Teve briga. Teve choro. Reconciliações. E as noites acampados, as fogueiras que vararam a madrugada. Teve Santíssimo. Altar. Toca. Dúvidas. Silêncios. Respostas. E o primeiro beijo, beijo de verdade, justo no meio da “multidão”, nós que prezávamos tanto pela discrição. Teve amor. Muito amor. Tanto amor que até duvidaram que pudéssemos viver só de amor. Que até inventaram que não vivíamos só de amor. Decepções. Reconquistas. Desculpas. Beijos. Um furo antes mesmo do nada. O empurrão da Iza. O “chega pra lá” no Jo. Teve de tudo. Na esquina. Na praça. No cinema. Ah, teve tanta coisa, amor!

O dia em que pedi para seu pai. O meu “de acordo com as conformidades”. As roupas que eu nunca soube combinar. As horas e horas no telefone. A lan house que quase nos separou.  Os presentes bem bolados. O aniversário ausente. Os aniversários presentes. As crises sempre superadas. Os beijos que ninguém via. As músicas que descobrimos juntos. A Eva Wilma a nos emocionar. O BMB. Ah, o BMB!

A sua última mensagem, que me chega agora. Obrigado, eu, por tudo que aprendi. Obrigado, eu, por esses seis anos. Obrigado por todas as descobertas – e por todas as renúncias. Chegamos, amor. Chegamos onde tínhamos desenhado já naquele 07 de maio de 2006. Porque sabíamos desde o início. Sabíamos desde aquela noite. Eu sabia, você sabia.

E vivemos com tal intensidade, mas sem pressa. Tudo foi ao seu tempo. O que foi e o que ainda não foi. Sem pressa porque sabíamos que não ia acabar a qualquer momento. E é essa certeza que vai nos levar ao altar. Não só como um momento formal, protocolar, para cumprir aquilo que Deus, a Igreja, a Família, a Moral e os Bons costumes nos mandam. Hoje – quando comecei este texto era amanhã, mas agora, meu Deus!, já é hoje – vamos consagrar esse amor, sacramentar, declarar ao mundo, testemunhar que é ele que nos redime, que nos faz homens, que nos faz um. A partir de hoje, mais que em qualquer outro momento, seremos sinal deste amor que nos une. De tanto amar, nos transformaremos nele. Tal qual Francisco, que de tanto amar, se tornou semelhante à coisa amada. Seremos o amor.

É difícil terminar esse texto. Entre tantas outras coisas mais importantes, como o nó que começa a se formar na garganta, é difícil porque já alternei tanto o estilo dele, andei por tantas as pessoas (primeira, segunda, terceira, do plural, singular, e quais outros existir) que não sei se alguém resistiu até aqui. Talvez só você. Ou, voltando ao estilo original, talvez apenas Ela tenha resistido até o fim deste post. Mas não importa, é para Ela que este texto existe. Para declarar o meu amor, para tornar perene esta declaração, para dizer que não existe mais vida possível para mim sem Ela.

Mas disso (tudo), desconfio que Ela já saiba.

08/01/2012

Miriam Leitão e as Cotas

"Acusar de promover o racismo o primeiro esforço anti-racista após 118 anos do fim da escravidão é uma distorção inaceitável"

Que boa surpresa encontrei ao ler um artigo da jornalista Miriam Leitão sobre as Cotas Raciais. Não tenho muito o que dizer, Miriam diz tudo, com uma lucidez que poucas vezes vi nas discussões sobre o tema (e olha que já vi muitas discussões, participei de algumas delas).
Vou postar aqui três textos da jornalista - que, confesso, admiro muito quando foge de suas eventuais análises econômicas (o artigo O Menino Azul é magnífico exemplo do que digo). Fosse eu o editor de O Globo, tiraria Miriam do Panorama Econômico e a colocaria num lugar privilegiado para falar apenas das questões do Rio, dos povos, da sociedade. Pessoalmente, acho que se sai melhor. Mas certamente o editor tem bons motivos para mantê-la em Economia, rs.

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