06/08/2012

Elisa e a Poesia (ou: a matéria que não saiu)

O milagre da poesia*
Elisa Lucinda ministra aula aberta de Poesia Viva em sua Casa Poema, no Rio de Janeiro

Fotos: Natássia Carvalho

Rio

É como se fosse uma pregação religiosa. Hipnotizados, em profundo silêncio – quebrado aqui ou ali por gargalhadas e comentários bem pontuais -, todos ouvem atentamente a poetisa: “A palavra também faz parte da estética. Pode enfeitar ou enfeiar a pessoa. A poesia é o instituto de beleza das palavras”, começa Elisa Lucinda,  para os trinta pares de olhos atentos a cada traço, à sua menor expressão.
O pequeno templo de culto à poesia fica em um imóvel aconchegante na Zona Sul carioca

O cenário é a Casa Poema. Um imóvel colonial, decorado com recortes de jornais, trechos de poesias e peças artesanais, com uma sala de visitas aconchegante e um pequeno e gracioso teatro, além de uma série de cômodos transformados em ambientes de convivência, serve de lar para um dos principais centros de culto à poesia no Rio de Janeiro.
Elisa é a idealizadora do espaço, que desde 2008 está sediado na rua Paulino Fernandes, em Botafogo, na Zona Sul carioca. A Casa, gerida em conjunto com a atriz Geovana Pires, abriga a Casa Lucinda de Poesia Viva, que oferece cursos e workshops de oficina falada durante todo o ano. Além de poetas de várias idades e gerações, as atividades acolhem profissionais de todas as áreas – de médicos a advogados, militares e analistas, e até mesmo uma freira.
No dia em que visitei o espaço, Elisa comandava uma aula aberta e gratuita para pessoas vindas de vários pontos do Rio e até mesmo de outros estados. “Vamos aproveitar para fazer o workshop agora porque estamos de férias”, comenta um casal da Baixada Fluminense. “Você precisa ir ao Maranhão”, recomenda outra visitante à professora.
Durante a aula, Elisa protesta, com seu humor afiadíssimo, contra a forma com que os poemas são declamados Brasil a fora e mesmo em salas de aula – frios, formais, sem vida. “Muitos jovens não querem ouvir falar de poesia, há um preconceito porque ela é recitada de forma tão formal, que afasta. E justo os jovens, que são os que mais sentem, sofrem, amam; o esforço dos poetas é traduzir estes sentimentos humanos”.
A Casa, assim como as palestras que ministra em outros espaços, tem a função de reaproximar as pessoas dos textos poéticos. Mais que isso: resgatar a poesia de um lugar escondido em que foi posta e provar sua utilidade na vida cotidiana. “Enquanto a filosofia gasta compêndios para nos explicar alguma coisa, a poesia gasta uma página”, exemplifica.

A aula aberta transcorre com testemunhos de pessoas que passaram – e permanecem – na casa. O jovem poeta consumidor compulsivo dos workshops; o aluno transformado em professor; o gerente de Recursos Humanos que redescobriu seu olhar sobre as pessoas após frequentar o curso. Todos os testemunhos são encerrados, claro, com um poema recitado para deleite e prazer do público fiel a cada palavra. “A poesia dá uma limpada no parabrisa, te ajuda a acessar partes de você mesmo que normalmente ficam esquecidas”, exemplifica mais uma vez Elisa.
Depois de quase duas horas, a aula chega ao fim. Antes, a atriz e poetisa, que já vendeu um milhão de cópias de seu livro “Parem de falar mal da rotina”; levou mais de 200 mil pessoas ao teatro com a peça de mesmo nome; foi enredo de escola de samba; e recebeu elogios públicos e efusivos do Nobel em Literatura José Saramago; convida os presentes a um exercício de memorização. Quase que em forma de oração, todos declamam os versos de “O Ensinamento”, de Adélia Prado, ensinados pela nova professora.
É hora de ir para casa. Sair do mundo de poesia em que se esteve imerso. Ou, ao contrário, não mais sair do mundo para o qual, naquela noite, o repórter descrente se converteu.

A poesia, já dizia Elisa, é a bíblia para os que “crêem na eternidade do verbo, na ressurreição da tarde e na vida bela. Amém!”.



* Essa matéria originalmente foi produzida para ser publicada no jornal Volta Cultural. Por questões editoriais (prazo, adequação ao tema da edição, etc), não foi possível. Guardada em uma gaveta aqui no meu computador, resolvi publicá-la. Por gostar dela e, sobretudo, por acreditar na força desse projeto.

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