20/11/2011

A festa da raça!

Há dois anos, escrevi neste espaço sobre o Dia da Consciência Negra. Mas era um post carregado de indignação, que convidava à reflexão, brigava contra os hipócritas e os racistas. Hoje resolvi escrever novamente, sobre o mesmo tema. Mas o tom é outro: celebração.

Não que algum avanço significativo tenha ocorrido de dois anos para cá. Um avanço aqui e ali, um retrocesso acolá, ainda somos uma nação hipocritamente racista. Contudo, o dia de hoje é de festa. Festa que também pode se expressar na contestação, claro. Mas não.

Hoje quero só celebrar Zumbi, cantar Martinho, exaltar Abdias. Recordar de negros e negras que construíram - e ainda constroem - esse país, que lutaram - e ainda lutam - por um Brasil com justiça racial, que são fonte de inspiração diária para mim.

Homenagearei todos eles com o poeta Luis Carlos da Vila, que em conjunto com Jonas e Rodolpho, compôs um dos melhores sambas-enredo de todos os tempos. Um dos mais belos hinos de celebração da cultura negra deste país. Que essa Kizomba seja nossa Constituição! O curioso é que a nossa luta, mais de vinte anos depois, continua sendo para que que o "apartheid" se destrua... 

Valeu Zumbi! Valeu Joaquim Barbosa! Valeu Dandara! Valeu Abdias Nascimento! Valeu Milton Santos! Valeu Tia Ciata! Valeu Martinho da Vila! Valeu Anastácia! Valeu!




Kizomba, a festa da raça - Vila Isabel (1998)



Valeu Zumbi!
O grito forte dos Palmares
Que correu terras, céus e mares
Influenciando a abolição (Zumbi, valeu!)
Zumbi valeu!
Hoje a Vila é Kizomba
É batuque, canto e dança
Jongo e maracatu

Vem menininha pra dançar o caxambu

Ôô, ôô, Nega Mina
Anastácia não se deixou escravizar
Ôô, ôô Clementina
O pagode é o partido popular

O sacerdote ergue a taça
Convocando toda a massa
Neste evento que congraça
Gente de todas as raças
Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa Constituição

Que magia
Reza, ajeum e orixás
Tem a força da cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais

Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede é nossa sede
De que o "apartheid" se destrua


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Ao longo destes quase três anos de blog, postei alguns textos e/ou notas relacionadas ao tema. Se quiser conferir, é só escolher:







09/11/2011

O Axé de Gadú

Maria Gadú está realmente um degrau acima das outras artistas de sua geração. E falo isso com a maior isenção, porque todos os que me conhecem um pouco sabem que meu coração bate mesmo é por outra cantora dessa nova era: a potiguar-carioca Roberta Sá.

Mas Gadú, que gosto bastante também, é impressionante! Cantora, compositora, musicista. E tudo isso maravilhosamente bem, acima da média. A primeira vez que fui a um show dela, saí boquiaberto e com uma aposta: estou vendo o "nascimento" de uma daquelas que será eterna. Sigo com este palpite...

Esta semana, e eis o motivo deste post, a cantora lançou na internet uma faixa de seu novo álbum (Axé Acapella, o nome da faixa). E daí veio a constatação expressa na primeira frase deste texto: além de tudo, essa garota se mostrou de tal sensibilidade para captar e transformar em arte o sopro que está no ar, o vento ainda fraco que sinto bater no rosto, o cheiro de batidão que também tenho sentido a tempos, um grito abafado que insiste em gritar.

O ritmo, como destaca o crítico Mauro Ferreira, do ótimo blog Notas Musicais, é diferente do  pop contemporâneo que tem marcado a carreira de Gadú até aqui. A música, cita ele, flerta com "sons da cena indie paulista". 

Para ser justo, a música é de autoria de Dani Black e Luisa Maita - dois dos amigos que formam uma trupe de artistas talentosíssimos encabeçada por Gadú. Foram eles que captaram e é Gadú quem nos transmite, em uma das melhores músicas que ouvi nos últimos anos.

Enfim, é só apertar o play e concordar (ou não) comigo...




Axé Acapella
Autoria: Dani Black e Luisa Maita
Interpretação: Maria Gadú

Pararam pra reparar?
Estão Ouvindo esse som?
Pulsando seco no ar
Merece nossa atenção
Preparem bem os sensores
Para poder captar
Parem usinas motores
Para ouvirmos bater
Dum! Dum! Dum!
Seu clamar

Som de corte pungente mundo doente além da conta
Sangra lucro imediato mas a cura de fato não aponta
Em uma remota viela a voz de uma santa faz menção
Um Axé Acappella feroz insinua o batidão

Pararam pra reparar?
Estão ouvindo esse som?
Reparem não vai parar
Diante a tal condição
Jogos de egos gigantes
Sem dar sossego à fatal pulsação
Que segue até seu furor
Torna-se ensurdecedor
Dum! Dum! Dum!
Seu clamar

Chega de jogar confete de botar enfeite achar desculpas
É guerra é dente por dente e rasga somente carne crua
Rouco um cantor se esgoela sozinho em meio a uma multidão
Um Axé Acappella feroz insinua o batidão...

E se bater vai matar!
E se bater vai tremer!
Não sobrará mais que o leito de um rio
Que escorre a prenda de um passado sombrio
Enquanto o homem não acorda
Idiota! Nem nota!
Se enforca com a corda da própria tensão
E um Axé feito Acappela
Vai se transformando num batidão

Aí é choro doído é sonho moído é fim de trilha
Já mortalmente ferido um lobo banido da matilha
Silente um bom Deus vela a terra sagrada da ingratidão

Um Axé Acappella feroz insinua o batidão!

02/11/2011

Memórias de um futuro em construção


Apresentador: (em tom lacônico) Tiroteio deixa mortos no Jacarezinho. (de repente, o tom fica eufórico) E nós fomos a primeira equipe a chegar! As imagens que vocês vão ver são exclusivas!

Escutei o monólogo enquanto passava em um trailler no fim de uma tarde. Não me atentei para o canal, mas a voz do apresentador não era totalmente desconhecida (suspeito que os apresentadores desses programas espreme-que-sai-sangue que enchem as grades das TVs brasileiras façam curso de locução em um mesmo local, tamanha a semelhança). 

Levei certo choque com o tom do apresentador, ao vibrar com a "exclusividade" da emissora na cobertura da tragédia.

Lembrei de Bourdieu, em suas ásperas críticas às práticas jornalísticas na TV, sobretudo com relação à desenfreada busca pelo furo. Mas também quando relata a recorrência no jornalismo dos fatos-ônibus.

Pensei em Kellner, que havia acabado de ler, o livro ainda em minha mochila, com suas observações sobre a cultura da mídia e seus efeitos para a conformação de certos padrões e ideologias em nossa vida social.

Recordei, ainda, com bastante carinho, das horas a fio de discussões junto a meus colegas de faculdade sobre o papel da imprensa na sociedade e sua predileção pelas notícias trágicas, sua insensibilidade nas barbáries, sua gananciosa corrida pela audiência.

As aulas de jornalismo na faculdade, ao menos aquelas boas aulas, eram sempre regadas a polêmicas e muita discussão. Em geral, era um exercício de crítica à mídia - críticas tão ácidas que acho que Benjamim, Adorno e outros teóricos de Frankfurt iriam se orgulhar.

Lembrar da faculdade foi o que me tirou da indignação que o apresentador me causou.

Entramos na faculdade, todos nós, com vontade de mudar o mundo, como é comum aos estudantes de jornalismo. Mas estávamos sedentos por descobrir as ferramentas e instrumentos necessários para fazer essa mudança, a partir de nosso "lugar" de jornalistas.

Eu me recordo de quando fomos apresentados a Foucault. Sexta-feira à noite, quinto período, Cultura das Mídias. Uma professora jovem com um texto indecifrável nas mãos. Levamos para casa, lemos, e na semana seguinte voltamos com um pedido: traduza. E parágrafo por parágrafo, a "trinta mãos", traduzimos. E dali em diante, e pela primeira e única vez em quatro anos, a sala não ficou vazia em nenhuma sexta-feira daquele semestre. 

McLuhan, apresentado alguns anos antes, também nos encantou com suas reflexões sobre as ferramentas enquanto extensão do homem. Era fascinante. Da mesma forma, entusiasmados ficamos quando o Observatório de Imprensa tornou-se material semanal de aula e as discussões geradas no programa eram reproduzidas naturalmente em sala. Ou ainda quando produzimos nosso primeiro curta-metragem profissional. Boas lembranças!

Era uma turma diferenciada, sem dúvidas. Que ensaiou uma "greve" para aquisição dos laboratórios, mas nunca conseguiu organizar um churrasco sequer durante todo o tempo de faculdade.

Os caminhos naturalmente se separaram e, quase um ano após a última aula, mantenho contato constante com poucos - ainda que fale esporadicamente com a maior parte. Alguns estão na TV, outros na rádio, em assessorias, impressos, ou ainda encontrando seu lugar no mundo.

Neste último grupo me incluo. Talvez esteja solitário até. Não estou na TV. Não estou no rádio. No impresso. Tampouco em assessoria. Quando alguém me pergunta o que estou fazendo, em geral demoro cinco minutos para tentar explicar - e não tenho certeza se a pessoa entendeu.

Estou procurando meu lugar no mundo. Descobrindo qual é o meu mundo. Às vezes acho que é mais pra lá, depois tenho certeza que é pra cá, e sigo tentando descobrir.

Sou jornalista. É o que sei e muito me orgulho. Há alguns dias, quando no cartório me perguntaram sobre qual a minha profissão, não exitei em responder. Porém, mais que isso ainda não sei. Estou descobrindo, vivendo pra descobrir, experimentando.

Quem sabe um dia eu não descubro? Se é do lado de Bonners, Barcellos, Morenos e Padrões ou do lado de Kellners, Foucaults e Benjamins. Ou talvez de lado nenhum. Do lado da Bia, apenas, porque não? 

Esse não é um momento de certezas. Para mim, é um momento de dúvidas. E, hoje, são essas dúvidas que me movem. 

Pra onde? 

Pra frente...