27/09/2011

Lula e a ira do andar de cima


Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados.

Assim um jornalista argentino termina seu artigo sobre a posição da imprensa brasileira em relação ao título de Doutor Honoris Causa recebido por Lula essa semana. Explico: o ex-presidente foi escolhido por unanimidade para receber a homenagem pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris - o Sciences-po. O instituto é um dos mais prestigiados do mundo e em seus 140 anos já abrigou “a nata da elite francesa”, como os ex-presidentes Jacques Chirac e François Mitterrand. Apenas 15 pessoas já haviam sido contempladas com a honraria e Lula foi o primeiro latino-americano a recebê-la.

Enfim, imaginam a histeria por aqui, não é? Porque o torneiro mecânico não se contentou em ser presidente. Foi presidente, tirou 30 milhões da miséria, saiu com 80% de popularidade, se tornou prestigiado em todo o mundo. E isso irrita. Irrita porque, parafraseando-o, esse país não foi pensado para ser governado pelos que estão no andar de baixo. E quem ousa desafiar essa regra não pode ficar impune.

Em uma entrevista coletiva concedida pelo diretor do instituto, Richard Descoings, a primeira pergunta, vinda de um grande e respeitado jornal brasileiro, foi a seguinte: “Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?”. Não é mentira. Está no site do jornal. A pergunta seguinte, também de jornalistas brasileiros, questionava do motivo de um prêmio entregue a alguém que se orgulhava de nunca ter lido um livro. Em seguida, no mesmo tom: “Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?”. O nível continuou o mesmo e outro coleguinha brasileiro foi ao ponto, usando-se de ironia: seria essa premiação do Lula parte da política de ação afirmativa do Sciences Po?

O Brasil avançou muito nesses oito anos, mas parte da elite brasileira segue estagnada, sem ter movido um músculo, dado um passo sequer rumo à superação da pior das mazelas e misérias de uma nação, o preconceito. Separei quatro comentários de leitores à notícia da premiação de Lula. Ilustram bem o que digo. Vejam:

1 - “Gostaria de saber quanto o metalúrgico/enganador está pagando para receber "eçças" honrarias. Pois não tem outra explicação” 

2 - “O mais novo símbolo do Brasil, um jegue”

3 - “Ovacionar uma toupeira dessas, é o fim da picada”

4 - “Vou tirar o meu título da parede e deixar só o de pós-doutorado. Se até o Lula (...) é doutor, me sinto diminuído”

Não são críticas políticas, apenas. Estas são legítimas e precisam ser feitas (na dúvida, leiam meu último post). Os comentários dos leitores, as perguntas dos jornalistas, as reações em alguns círculos sociais, demonstram um ranço preconceituoso que ainda persiste e um ódio de classes longe de ser superado.

Eu tenho orgulho. Independente de posição política – ou mesmo da avaliação que se faça sobre seu governo – tenho orgulho de viver em um país que elegeu para o cargo máximo da República um retirante saído do Nordeste em pau-de-arara, torneiro mecânico e líder metalúrgico, fundador do maior partido de massas da América Latina. Isso é prova de um povo maduro, que soube que somente um dos seus poderia entender suas dores. E isso, repito, me enche de orgulho. 

Por fim, deixo o próprio Lula dar uma resposta a tanto preconceito. É uma resposta-desabafo. Esse vídeo é indispensável. Espero que vocês tenham paciência de ver até o fim. Um grande amigo, quando viu, soltou essa: “cara, sempre fiquei pensando se conseguiria explicar ao meu filho o que significou eleger o Lula presidente do Brasil. Para ele compreender a dimensão do que significa, agora já sei o que fazer: vou mostrar esse vídeo”. É exatamente isso.

(Lula fala adevogado. Fala "autoestima por si mesmo". Como alguns
devem se contorcer assistindo esse vídeo. Quem esse "anarfa" pensa que é?!)

3 comentários:

Unknown disse...

Muito bom o texto do nosso hermano!

Quem conhece um pouco a estrutura de tomada de decisão do Partido dos Trabalhadores sabe que Lula realmente soube fazer política bem feita e de forma democrática. O modelo foi replicado para o que hoje já ouvimos falar em algum momento, que são as Conferências (Saúde, Cidades, Juventude, ...). É o modelo que começa a discutir propostas e ações concretas nas bases e vai "subindo" até chegar ao topo. Que revolução política num país em que fomos acostumados a receber de cima as ordens concretas.

Só pra citar um exemplo do que o Lula fez desde a década de 80 até agora pelo Brasil afora

Unknown disse...

só deixando claro que não foi um modelo inventado por Lula ou pelo PT, mas que foi estimulado e difundido de forma mais abrangente por ele e seu partido.

Giovana disse...

Sempre antes de fazer qualquer comentário que envolva política, faço questão de dizer que não sou ligada a qualquer partido. Muitas pessoas pensam que sou petista, porque meu marido é petista e porque nunca escondi que votei no Lula e na Dilma.
Preciso dizer isso para concordar com isenção. Tenho orgulho por ter presenciado um homem que saiu lá do chão de terra batida para ocupar o Palácio do Planalto. E não fez feio. O governo dele sofreu todas as agruras que qualquer governo sofreria, inclusive corrupção, que não foi diferente em nenhum outro, principalmente do senhor doutor FHC. Mas ele respondeu a tudo isso com realizações importantes, resumidamente citadas aí no seu texto. E isso irrita. Faz muita gente rosnar. Como já tem gente rosnando pra Dilma, que faz cara feia pra imprensa, não é simpática à toa com ninguém e não abre as portas do gabinete pra qualquer um. Enfrentou as primeiras dificuldades com corrupção no governo com realismo, pé no chão, sem deixar a peteca cair. hahaha! Adoro isso.