29/07/2011

Ele não é comum (por Ricardo Vieira)

Peço licença ao meu amigo Jader Moraes para usar o espaço de seu blog. Sei que não tenho a mesma facilidade com as palavras, mas é por uma boa causa, por um bom assunto. Sei que o próprio Jader iria gostar de saber e de propagar a postura elogiável do Dedé. Espero que os visitantes daqui não se decepcionem, o Jader volta logo. Boa leitura.

Veio, viu e...

O repórter perguntou: “O que você diria para os jogadores que estão começando, para um dia chegarem a ser como você, como um vencedor?”. “Vencedor, eu? Falta muita coisa ainda”. Foi a resposta, sem nenhum tipo de arrogância, do Dedé, que aos 23 anos chega à Seleção Brasileira e que até ontem estava torcendo pelo Brasil com a camisa pirata, já que a oficial “não tinha condições de comprar”.

Na continuação da resposta, um conselho que ouviu de um ex-jogador, Élson, seu treinador nas categorias de base: “Não desperdice o seu dia, aproveite cada treinamento. Faça render”. Dedé sabe ouvir, por isso tem muito a crescer na seleção. Com Júnior Baiano (independente do que você pense dele, bagagem ele tem) também aprendeu muito, desde posicionamento até modo de agir. Baiano se esforçou pelo sucesso de Dedé. Agradecido, tomou a atitude como lição de vida, que leva e repassa para os mais novos.

Lembro-me de sua namorada dizendo que os meninos que vinham dos juniores no Vasco eram grandes amigos de Dedé. Achei curioso. Em um clube recheado de jogadores badalados como Felipe, Zé Roberto (ano passado) entre outros, o cara fica amigo da molecada? Esse é o Dedé, que o Brasil vai conhecer melhor agora. Mas os amigos do Parque das Ilhas já o conhecem há anos. São os mesmos. Desde que Dedé começou a aparecer no futebol, desde que entrou no Volta Redonda, desde que entrou na Escolinha do Nelson, desde que jogou no Sepinho (peço perdão se a grafia estiver errada) eles já estavam ali do lado dele, os mesmos amigos. Sinal de caráter.

A vida dele mudou, tenho certeza. Ele nunca me disse, mas é óbvio que mudou. Se há alguns anos ele não podia comprar a camisa da seleção, hoje se junta ao milionário esquete canarinho. Se há alguns anos ele jogava com a chuteira doada por Felipe Melo (de quem também tem muita gratidão), hoje, com papéis invertidos, agracia os meninos do Voltaço. Se há alguns anos ele era apaixonado pela menina bonita do bairro, hoje... hoje continua apaixonado. Tem em Patrícia um porto seguro. É possível notar em suas palavras que agradecem o apoio incondicional de sua namorada.

Dedé hoje virou orgulho de uma cidade com mais de 250 mil habitantes, de uma torcida com cerca de oito milhões de membros. Mas para Dona Lena (Maria Helena Vital da Silva), o pequeno Anderson (ele não se chama André) já é motivo de orgulho faz tempo. Ela comemorou cada defesa do goleiro (“bom goleiro, por sinal”, segundo o próprio) no futebol de salão. Deve ter acompanhado com angústia as idas e vindas ao Rio, quando ainda era garoto e imaturo, na sua primeira chance no Fluminense. Imagino que tenha dado colo após a primeira dispensa do Tricolor. Posso até vê-la enlouquecendo com o susto na tentativa frustrada de ir jogar no Udinese, em que Dedé, com seus 18, 19 anos, se viu sozinho e outra vez dispensado (com apenas três treinamentos) na Itália. Também vejo a raiva dela quando uma infundada acusação de indisciplina quase o tirou do Volta Redonda.

Mas posso imaginar o orgulho quando o filhão foi eleito o terceiro melhor zagueiro do Campeonato Carioca de 2009. A esperança na chegada ao Vasco. O medo de outra dispensa e sensação de dever cumprido quando o jogador se estabeleceu no clube carioca. Mas como boa mãe, felicidade mesmo deve ser quando o ‘meninão’ bate um prato de inhame, ou de quiabo, feito com todo carinho pela Dona Lena.

A trajetória, cheia de percalços, é comum no meio do futebol. Dedé não é comum. Ele não se iludiu, não se deixou levar. Tem gratidão. E aprendeu lições importantes com os erros (talvez esse seja o aspecto mais difícil de ser encontrado em um meio repleto de ‘reincidentes’).

É uma alegria e um orgulho (confesso) conhecer e poder dizer que já joguei (uma peladinha, mas tá valendo) com um jogador de seleção. Torço de coração, para que não perca a essência e que continue enchendo de orgulho a Dona Lena, a Patrícia, o Gleidson, o Joãozinho, o André, o Ricardo, a Lívia, o Felipe, o Jader...

“Vencedor, eu?”. É, você mesmo. Boa sorte

Ricardo Vieira

24/07/2011

Coadjuvante de luxo

Juro solenemente que não pretendo fazer nada de bom

Sinto que, para falar deste assunto, preciso começar do começo. Mas prometo ser o mais breve quanto possível, afinal isso aqui é um blog. Por mais que o tema mereça, não posso escrever aqui um tratado.

Aconteceu no fim do ano 2000 (ou seria no início de 2001?). O fato é que aos doze anos recebi o primeiro exemplar. Incentivado por uma prima, comecei a me aventurar pela leitura de meu primeiro livro. E gostei.

O segundo, lido pouco depois, também me agradou – não tanto quanto o primeiro, deve confessar. E então veio o terceiro, com todas as suas nuances, suas surpresas, seus viratempos. Aí, sim, nasceu o fascínio.

Hoje, dez anos depois de abrir a primeira página de Harry Potter, sinto-me na obrigação de narrar um pouco da aventura de assistir seu “último capítulo”. Mais que isso: de fazer um registro do quão importante a série criada por Joanne Kathleen Rowling foi para mim.

Sou da geração que cresceu junto com as obras. Livro por livro, ano por ano, filme por filme, os mesmos dilemas, as mesmas angústias. Não sei se há precedentes na história literária, ou se um dia haverá fenômeno parecido.

Para você, que agora me lê, talvez isso faça pouco sentido. É só um livro, dizem alguns. Um livro infantil, constatam outros. Com um universo completamente frágil, finaliza orgulhoso um terceiro. E talvez seja mesmo tudo isso. Mas não é apenas isso.

Nestes últimos meses, estudiosos têm reconhecido a série como um fenômeno cultural, o que me deixa muito feliz por colocar a obra de Rowling em seu devido lugar. Tal qual os Beatles ou os Hippies ajudam a entender suas gerações, entender HP pode nos dar uma pista sobre a sociedade contemporânea e os valores cultivados pelos jovens desta geração. São os especialistas que dizem, não eu.

O que eu digo apenas é que, num plano muito mais pessoal, sei o que HP representa para mim (e desconfio sobre o que ele queira dizer para uma geração).

Como eu, creio que muitos tomaram gosto pela leitura a partir de J. K. Rowling[1]. Aprendemos com Dumbledore algumas das lições que foram importantes para momentos-chave de nossas vidas[2]. Mergulhamos em algumas culturas e filosofias apreendidas de diversas partes do mundo[3]. Entendemos, desde cedo, o quão destrutivos podem ser sentimentos como o preconceito e a intolerância[4]. Reforçamos, por fim, aquela crença que já havia sido pregada por Jesus, Gandhi, Che, Francisco de Assis e tantos outros: a verdadeira revolução, o sentimento mais nobre, aquilo que realmente pode salvar o mundo... é o amor[5].

Assistir o oitavo filme de Harry Potter significou o fim de um ciclo. Um ciclo em que me tornei uma pessoa melhor. Não por causa dos livros, claro. Por causa da minha mãe, dos meus amigos de faculdade, de tantas obras que li depois de HP, das missas, da Bia, das minhas vivências profissionais, de meus relacionamentos e de uma porção de outras coisas que não cabem aqui (já disse, é um post, não um tratado).

Mas sei que HP tem uma posição destacada neste acúmulo de experiências que vivi nos últimos dez anos. Se não foi protagonista das minhas mudanças (este papel não abro mão de ser executado por mim mesmo), foi ao menos um coadjuvante de luxo. Daqueles que às vezes roubam a cena e dão mais emoção ao filme, fazendo com que ele valha um pouco mais a pena. Um coadjuvante, enfim, que faz toda a diferença.

Acho que é bem capaz de você ter chegado ao fim do texto (agora sim quase um tratado) sem ter realmente entendido o que significa HP pra mim. Lamento que minhas palavras não sejam tão mágicas quanto as de Joanne – e até aceito que continue achando que se trata apenas de “um livro infantil com universo extremamente frágil”.

No entanto, aos poucos dos meus leitores que vão me entender plenamente, aqueles que também reviram sua adolescência ao findar dos créditos de HP7-2, que se emocionaram com cada diálogo da última película, só gostaria de dizer algo: somos privilegiados! Uma geração que desperta para o mundo através da leitura tem o mundo nas mãos. Parabéns a todos. Obrigado Joanne Kathleen Rowling. Palavras são uma inesgotável fonte de magia.

Mal feito, feito.



Para os trouxas, essse texto chegou ao fim
(se você não entendeu ou sentiu alguma ofensa pela palavra ‘trouxa’ ali em cima, acho que não vai querer ler. Para quem estiver interessado, resolvi aprofundar algumas questões sinalizadas no texto).

[1] Harry Potter foi o primeiro livro da vida de mais de 80% de deus leitores. Eu faço parte desta estatística, embora na escola sempre tenha gostado de ler e escrever (principalmente).

[2] Através de Dumbledore, J.K. inseriu um pouco da ‘filosofia’ que rege a série. Listei aqui uma série de frases, que em sequência podem parecer apenas uma sequência de clichês. Mas são lições valiosas, sobretudo para quem está em um período de formação, no início da adolescência e juventude. Veja só: “Em breve nós teremos que escolher entre o que é facil e o que é certo”; “São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades”; “Não faz diferença quem a pessoa é ao nascer, mas o que ela vai ser ao crescer”; “Não vale a pena mergulhar nos sonhos e esquecer de viver”; “A verdade é uma coisa bela e terrível, por isso deve ser tratada com grande cautela”; “Você acha que os mortos que amamos realmente nos deixam?”; “A indiferença e o abandono muitas vezes causam mais danos do que a aversão direta”; “Você não está entendendo? O próprio Voldemort criou seu pior inimigo, como fazem os tiranos em todo o mundo! Você tem ideia do medo que os tiranos sentem do povo que eles oprimem? Todos eles percebem que, um dia, entre suas muitas vítimas, com certeza haverá uma que rebelará e revidará!”; e minha preferida: “[É real ou está acontecendo apenas em minha mente?] Claro que isso está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?”

[3] Um dos grandes segredos de HP foi a capacidade de JK trazer para os livros aspectos relevantes de diversas culturas diferentes. À uma fabula já conhecida (a base da história de Harry não é absolutamente nova), ela adicionou detalhes que dialogam com culturas de todas as partes do globo – e à despeito de uma crítica voraz de certos setores cristãos, não é preciso muito aprofundamento para perceber que a autora claramente permeia a série de valores e metáforas do cristianismo, especialmente no desfecho da saga.

[4] Os livros têm teor político muito forte. Sobretudo a partir do quinto, quando a trama fica mais adulta, e o regime de Voldemort se aproxima cada vez mais do nazismo. O vilão é o próprio Adolf Hitler e sua crença na supremacia dos sangues-puros está em paralelo com as teorias sobre a “raça ariana”. A sua derrota, no fim, representa a derrota de regimes totalitários, dos fundamentalismos e intolerâncias. HP aponta para a diversidade, para a convivência harmoniosa entre os diferentes, e essa talvez seja uma das lições mais valiosas da série.

[5] Porque a lição mais forte, sem dúvida, é sobre o poder do amor. Sobre como o amor é a ferramenta mais poderosa. Harry, ainda bebê, sobrevive graças ao amor de sua mãe, que dá sua vida por ele. Voldemort (o mal) é destruído por esse mesmo amor. É o amor que impede o vilão de tocar Harry. É o amor pelos amigos que impede o herói de ser possuído. É o amor pelo filho que faz outra mãe (Narcisa) salvar mais uma vez a vida de Harry. É o amor, mais uma vez, a grande diferença entre o herói e o vilão, aquele que nunca amou ou foi amado. Na batalha final, é o amor que vence o mal, enfim. De volta à Dumbledore, ele reitera a todo tempo: “Você está protegido por sua capacidade de amar” ou ainda “Não tenha pena dos mortos, Harry. Tenha pena dos vivos e, acima de tudo, daqueles que vivem sem amor”.Já havia feito um post aqui no blog sobre a “Revolução do Amor”. Acredito mesmo que este é o sentimento e a prática mais revolucionária entre todas. E agora talvez deva incluir HP na lista daqueles personagens que tão bem fizeram ao mundo ao pregar esta revolução.

08/07/2011

As lições do Congresso - Pt. 2

Tudo o que vem escrito “parte 1” terá uma “parte 2”. Nada mais lógico e óbvio.
Eis, então, a segunda parte do meu apanhado de frases do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo (para saber mais, leia o post anterior):


“Nunca foi melhor querer ser jornalista do que hoje. Podemos ser os protagonistas desse mundo novo”
Rosental Calmon Alves, otimista sobre as novas tecnologias da informação

“O que eu mais ouço é mentira. As pessoas mentem muito para mim”
Renata Lo Prete, sobre a relação com as fontes

“Sempre desconfie daquele que te oferece a informação. Em geral, as melhoras notícias são aquelas que você vai atrás”
Gerson Camarotti (O Globo)

“Cada vez mais é preciso treinar jornalistas para perceber as coisas onde aparentemente elas não estão (...) O leitor tem o direito de saber o que fazem com a paixão dele”
Juca Kfouri (ESPN), sobre a cobertura dos bastidores do mundo esportivo

“Não devemos nos esquecer da regra de ouro: siga o dinheiro”
Matheus Leitão (Folha), sobre a cobertura dos escândalos políticos

“Nós contamos a história do Brasil contemporâneo, o que produzimos é documento histórico. O jornalismo convencional tem deixado a maior parte das pessoas que constroem a nossa história de fora”.
Eliane Brum, sobre sua busca por retratar a vida cotidiana

“O futuro finalmente chegou”
Brant Houston

“Os deuses do jornalismo, se existem, estão sendo muito generosos com o Brasil”
Fernando Rodrigues (Folha), comparando a crise vivida pelos impressos nos Estados Unidos e a boa fase dos veículos tupiniquins

“Infelizmente, muitos jornalistas têm fascínio pela ‘estética da guerra’”
João Paulo Charleaux (IG)

“As brigas políticas dizem respeito à vida das pessoas, não está apenas no plano simbólico, mas também no material. Se não estamos conseguindo explicar isso ao leitor, então é uma falha nossa”
Renata Lo Prete

“O erro no jornalismo não tem reparação. Por isso que a gente precisa ter cuidado. O que se escreve, está escrito”
Eliane Brum

05/07/2011

As lições do Congresso - Pt. 1

Na última semana, participei de um evento que deveria ser obrigatório para todos aqueles que se aventuram nessa profissão tão apaixonante que é o jornalismo: Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo.
Ao contrário do que se pensa à primeira vista, o evento não trata apenas de investigação criminal, câmeras escondidas, denúncias ou coisas assim. Como “jornalismo investigativo” é quase um pleonasmo, o congresso se propõe a discutir o fazer jornalístico, de forma geral.
Reproduzo, a seguir, algumas das principais falas que registrei nas dez mesas que participei. Foram todas muito boas. Algumas, excepcionais. Espero que gostem:


“Tem riscos. Dá para entrar”
Andrei Netto, repórter preso na Líbia, em email ao Estadão antes de entrar no país conflagrado


“A revolução digital impõe mudanças radicais e cria um novo ecossistema de mídia. Não dá pra continuar fazendo jornalismo do mesmo jeito
Rosental Calmon Alves - O Cara (busque no Google)


“A nossa obrigação como repórter é captar a complexidade da realidade. O silêncio, os gestos, os cheiros falam muito sobre o real. Não podemos ser meros reprodutores de aspas
Eliane Brum – A Musa Inspiradora


“Não existe ninguém sem interesse. Se não tem interesse, provavelmente não vai te servir. O seu trabalho não é descartar quem tem interesse, mas sim cruzar as versões e descobrir o que há de fato ali”
Renata Lo Prete (Folha de São Paulo), sobre a relação com as fontes


“É a forma mais cruel de intimidar a imprensa, pois o assassinato não silencia apenas o repórter morto”
Rodney Pinder (INSI), sobre os homicídios contra jornalistas


“A imprensa vai servir ao interesse público ou aos interesses comerciais?”
Jens Sejer Andersen (Play the Game*), sobre a cobertura dos grandes eventos esportivos – Copa 14 e Rio 2016


“O ‘outro lado’ não é apenas uma etapa formal, é primordial, pois às vezes te ajuda a ver o que não viu. Temos que esgotar a investigação”
Marta Salomon (Estadão)


“Só permaneçam nesta profissão se tiverem amor por ela”
Mônica Puga (SBT)


“A primeira ideia é sempre ruim. A segunda e a terceira também. Talvez a quarta seja boa”
Eliane Brum, sobre o difícil processo de construção de uma pauta


“Cinco minutos de planejamento podem salvar a sua vida”
Marcelo Moreira (Globo)


“O jornalista tem que ser um sujeito indignado. Um eterno indignado com as situações”
Bette Luchese (Globo)