14/02/2012

Com muito orgulho?


Este foi o país que deixei para trás. O que encontrei na volta, não reconheci.



Nunca pensei que fosse escrever um texto desses.

É preciso fazer esta ressalva inicial para que nenhum desavisado pense que não sou eu o autor. Mas, sim, pela primeira vez na vida senti uma ponta de vergonha por estar no Brasil, viver neste país, ser brasileiro. Foi na sexta, voltando do Chile, pisando em terras tupiniquins. Talvez tenha sido o contraste com o que vivi em minha semana chilena. Talvez não seja apenas isso.

Bem, vamos aos fatos. Eles são auto-explicativos:

1. Descer no aeroporto de Guarulhos foi um choque de realidade que eu não poderia prever. Depois de sair de um belo e organizadíssimo Aeroporto de Santiago, me deparei com aquilo que os jornais brasileiros martelam em nossas cabeças há alguns anos – e, sinceramente, nunca havia compreendido com exatidão: longos minutos de espera, dentro do avião, na pista, aguardando pela liberação do “tráfego”; troca de aeronave na última hora; terminal superlotado e quente; a única funcionária, coitada, berrando para que os passageiros se dirigissem à fila (não exagero no berrando); confusão, confusão e mais confusão. E, sobretudo, desrespeito conosco, com turistas, com as pessoas que estavam ali. Desrespeito por toda parte.

2. O pior fato de todos. O que mais entristeceu e humilhou. Em pleno Rio de Janeiro, revista seletiva para o casal de negros que passava pela sala da Receita Federal. Se você é do tipo que prefere acreditar que não existe mais preconceito no Brasil, que somos todos iguais, que vivemos em uma democracia racial, lamento dizer que esse seu país utópico não existe. No Chile não há negros (se existem, são pouquíssimos. Uma versão que ouvi por lá é de que os escravos vindos da África não resistiram ao frio). Pois bem, no Chile fomos respeitados e inclusive admirados. Aqui, passamos por constrangimento no aeroporto. Não cabe entrar em detalhes. Apenas é importante registrar: por sermos negros passamos por revista diferenciada dos demais naquela noite – que sequer foram revistados, aliás. É triste demais que isso aconteça em casa.

3. Na saída do aeroporto, o táxi!!! Triste ver como se aproveitam daqueles que vão passar uma temporada na cidade. Maldita mania de querer levar vantagem. Para ir à Vila Isabel, queriam que eu desembolsasse R$ 85. Não, claro. Se fosse este valor, argumentei, pegava um ônibus na pista. Não era um turista, percebeu. Trocamos de taxista. Negociamos um pouco mais. No fim, a corrida saiu por R$ 60. E cairia mais se tivéssemos insistido. Mas, quer saber?, depois disso tudo, me rendi. Em quinze minutos estávamos na rua barão de Cotegipe. Em casa, enfim.  Perplexo.

Não foi a alta de organização que doeu. O terminal quente é o de menos. Doi é o desrespeito, a discriminação, a “esperteza”. Doi que tudo isso aconteça aqui, logo aqui, neste lugar que tanto amo e que tanto proclamo meu amor.

Depois de uma viagem incrível, tive a impressão de que, ao embarcar para o Chile, deixei um Brasil para trás e encontrei outro quando voltei.

Talvez eu é que tenha mudado. Talvez não seja apenas isso.

Tomara, isto sim, é que este nosso país mude.




* Os que me conhecem sabem. Mas isso aqui é internet, né? Não é só quem me conhece que me lê. Então deixa eu dizer: amo o Brasil, minhas cores, minha bandeira. Sou um eternamente apaixonado pelo Rio de Janeiro, carioca por adoção, quero viver pra sempre nesta cidade. Os fatos que listei não alteram meu sentimento sobre meu território. Apenas aguçam minha percepção sobre isso aqui e me dão ainda mais gás para lutar por um país verdadeiramente justo, livre e em progresso.

3 comentários:

CS Empreendimentos Digitais disse...

Em tempos de Copa, Rio+20 e etc, isso é mesmo vergonhoso..

renatovr disse...

Realmente!!!

Giovana disse...

Um misto de perplexidade e ao mesmo tempo de não surpresa.
Estranho isso.
Talvez a perplexidade seja porque não queremos que isso aconteça, mas acontece.
E a não surpresa é porque, no fundo, não tenho mesmo a menor ilusão de que não exista racismo a nossa volta.