25/09/2010

Às favas com a Imparcialidade (e a questão da Igreja)

De vez em quando, deixo a máscara da imparcialidade cair. Aliás, luto constantemente contra esse falso ideal. Afinal, não sou robô. Sou jornalista, apenas. E como tal, tenho direito de ter opinião sim.

Mas quero deixar de lado até a sobriedade que deveria acompanhar a opinião de um jornalista (é assim que os Manuais ensinam, ao menos). O que está acontecendo na imprensa brasileira é muito triste e não poderia ser expresso com menos indignação e verdade* do que vou tentar expressar nas próximas linhas.

A vitória de Lula, em 2002, sem dúvida é um dos principais fatos da história recente do país. Simbolicamente, não sei se já houve (ou se ainda haverá) um momento tão forte para a nossa democracia. Mas uma eventual vitória da Dilma representará um passo além – se não historicamente, ao menos em nosso contexto atual.

Sei que sou jovem, mas vivi e li o suficiente para poder questionar: não sei se em algum outro momento forças tão poderosas se moveram de forma tão explícita contra uma candidatura. Não sei se já houve, em algum outro momento, uma tentativa tão descarada de desconstrução de uma figura pública como acontece agora. Há pelo menos um ano, antes portanto da pré-campanha até, as manchetes dos jornais evidenciam o que digo. Um ano de infinitas tentativas de minar uma pessoa, um projeto.

Dilma eleita em 03 de outubro, então, tem muito mais que um valor simbólico. Tem um significado prático: me arrisco a dizer que mais que Lula em 2002, mais que Lula em 2006, a vitória de Dilma em 2010 é, de fato, a vitória do povo contra as elites, da democracia contra uma oligarquia política e midiática que tanto nos sufocou nas últimas décadas.

Já sabia que uma mulher, de esquerda, indicada por uma liderança operária, não seria eleita impunemente. É muito simbolismo, muita quebra de paradigmas, muito revolucionário para a elite mais reacionária deste país engolir. Mas, sinceramente, não esperava que fossem descer tão baixo.

Como estudante de jornalismo, repórter de política, fico muito triste. Mas como brasileiro, me alegro de perceber que o povo, tão humilhado e subjugado ao longo da nossa história, responde à altura e já pensa com sua própria cabeça. Vê com seus próprios olhos e grita para os barões: “Otários! Será que não veem que tamanho esforço é inútil? Agora sou eu que faço as minhas escolhas! Dispenso a ajuda de vocês, ninguém mais pensa por mim...”.

É isso: acho que essa eleição tem um significado a mais. Em 2002 foi iniciado um processo de transformação do povo brasileiro, e este processo se consolida agora. O voto que os milhões de brasileiros darão daqui a quinze dias não será apenas mais um voto. Será um passo firme em direção à liberdade...

A Igreja

Vou abrir aqui um espaço para lamentar uma outra atuação nesta reta final de campanha. Assim como critico alguns movimentos feministas por tratarem o aborto como um monotema, alguns movimentos da Igreja também têm me irritado profundamente ultimamente.

Reduzir o debate eleitoral à questão do aborto é, no mínimo, ignorância – quando não má-fé. Acho que é um dos temas da pauta de debates sim, todos conhecem minha posição muito transparente com relação ao assunto**, mas não dá para considerar este como único ponto relevante de um programa de governo.

Estes dias recebi um folheto amarelo, assinado por alguns bispos e por uma comissão eclesial, que, depois de fazer uma série de ataques ao PT, dizia: “não vote em partidos e candidatos que apoiem o aborto”. Não acreditei.

Então é só isso mesmo que importa? Dane-se se uma educação sucateada! Dane-se que jovens sejam exterminados! Dane-se se querem vender o país! Dane-se se a economia é colocada acima da vida! Dane-se tudo, menos o aborto! É isso mesmo?!

Não creio que a mensagem de Cristo se resumia a isso. Acho que, pela consciência cristã, outros aspectos também merecem relevância: cuidado com os pobres, respeito aos direitos humanos, vida digna à população (e aí inclui saúde ampla, educação de qualidade, reforma agrária...), ética do candidato, entre outros. Mas isso parece não importar. O que importa é o que X acha sobre o aborto. Se é favorável à descriminalização, fogueira nele!

Só para exemplificar a questão, de uma forma um pouco mais palpável: Bush sempre foi contrário ao aborto (e outros temas polêmicos que frequentemente dividem governo e igreja); já Obama é favorável à descriminalização e está fazendo isto nos EUA. Por essa lógica, as mesmas comissões que pedem voto contra o PT, também pediriam voto para Bush – ou Jonh McCain, na época.

Bush matou milhares de pessoas no Iraque? Sim. Matou outras milhares no Afeganistão? Sim. Negou-se a assinar acordos ambientais? Sim. Colaborou para o colapso financeiro que destruiu milhões de empregos em todo o mundo? Sim, claro. Mas, e sempre tem um mas, era contrário ao aborto. Se esse for o único parâmetro, votemos em Bush, fieis. (e, desculpem, a comparação não é absurda. É muito real e próxima do que acontece aqui! É só observarem com atenção).

Enfim, fiquei bastante triste. Além da redução do debate eleitoral, o panfleto amarelo é parcial e omite informações importantes em relação ao tema que deseja tratar – o aborto. Esquece de dizer que o PV também é favorável à descriminalização da prática. Que foi no governo do PSDB que foram criadas duas das três normas técnicas existentes que facilitam o aborto***. Que o PSOL diz que a igreja age com hipocrisia ao tratar do tema. Ou seja, todos têm teto de vidro ao falar do assunto. Por que o ataque tão sistemático a um partido, apenas?

Apesar de triste, a questão não me surpreendeu. O manifesto saiu de uma corrente (ou um movimento) da Igreja que tem como uma das suas figuras mais reverenciadas um professor que chama a ditadura militar de “Revolução de 64”. Em contraste com a atuação sempre tão firme da CNBB em defesa dos pobres e dos excluídos, repudia movimentos sociais e a ameaça que eles representam ao seu conforto patrimonial. O mesmo professor que, em carta xenofóbica ao D. Pedro Casaldáliga, afirmou que o Espírito Santo estava retirando do palco “um a um dos que erraram no caminho” – em referência aos bispos que combateram bravamente o regime ditatorial e acolheram, em nome da igreja, aqueles que sofriam.

O que me conforta é que para cada um Felipe Aquino existem dez Paulo Evaristo Arns, dez Freis Beto, dez Waldir Calheiros... Assim seja!


* Minha verdade, que fique claro!
** Sou contra, aboslutamente contra. Em todas as situações – até nas já garantidas por lei.
*** As normas técnicas editadas pelo Ministério da Saúde de FHC são “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” e “Gestação de Alto Risco: Manual Técnico”, ambas regulamentando o aborto nos casos de estupro e gravidez de risco. Em 2004, o governo Lula lançou a “Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento”, que proíbe o hospital de comunicar à polícia o aborto, quando for algum dos dois casos previstos por lei.

05/09/2010

O dia em que a Folha virou piada...

O jornalismo não tem a obrigação de ser imparcial. Tem de ser honesto. A frase é repetida algumas vezes por um dos grandes jornalistas da imprensa brasileira, Ricardo Noblat, mas parece estar meio esquecida nas grandes corporações de mídia do país.

Há pouco tempo, falei aqui da alta carga de jornalismo panfletário assumido por alguns grupos nesta época eleitoral. Não que seja errado o jornal possuir um lado. Pelo contrário, é direito da empresa. Mas é direito do público saber de que lado aquela publicação está.

A Carta Capital, e cito ela porque foi a única que vi fazer, assume em editorial que apoia determinada candidatura. Pode-se discutir se o jornalismo, como formador de opinião, pode abraçar de tal forma determinado candidato. Mas certamente é muito mais honesto com o leitor que, ao ler a revista, sabe exatamente em que posição do campo político ela está situada.

A manchete de domingo (05/09) da Folha de São Paulo, um dos mais respeitados jornais do país, foi lamentável. Jornalismo panfletário da pior espécie. Certamente (como dois e dois são quatro) será utilizado pela propaganda eleitoral de um dos candidatos – e dá até pra suspeitar se não seria este o objetivo quando tal manchete foi produzida.

E a resposta à manchete, quase imediata, veio da forma mais democrática possível: através da internet, do microblog twitter, espaço livre de circulação de ideias. A hashtag #DilmaFactsByFolha, que rapidamente se transformou numa das expressões mais postadas pelos internautas brasileiros (TTBR), foi um indicativo de que a falta de honestidade do veículo teve um preço. E o preço que o jornalismo paga por faltas como essa é a gradual perda da credibilidade – o bem mais precioso de todos.

Repito: Jornalismo não precisa ser imparcial. Tem que ser honesto. Melhor dizer "apoiamos fulano" que simular uma falsa isenção. Jornalismo que tenta ludibriar a opinião pública com imparcialidade inexistente não merece crédito.

Tomara que o movimento ajude o jornalismo brasileiro a repensar alguns pontos. Porque não foi uma resposta exclusiva a uma manchete da Folha, mas sim uma crítica dos que já estão saturados da forma com que a imprensa vem se comportando nos últimos meses – quiçá, nos últimos anos.

Até torço para que os jornalistas (da Folha, da Veja, do Globo, da Carta, do Ig, das academias, de onde quer que seja) aprendam alguma coisa com o episódio. Mas, sinceramente não creio que os jornalistas deem o braço a torcer, revejam os erros e passem a andar por outra trajetória. Afinal, evocando mais uma vez a figura do Noblat, cientista é que pensa que é Deus. Nós, jornalistas, temos certeza.
E não daremos o braço a torcer, mesmo que os fatos mostrem que estamos no caminho errado...


A manchete da Folha

A reação em tempo real