28/07/2010

Piegas, brega, cafona. Mas de verdade.

Sei que meu último post sobre a Elza Soares não fez muito sucesso.
Mas não poderia me fingir de indiferente depois de assitir um show dessa... diva!

É doído ver Elza no palco e poltronas vazias no teatro. Fosse em qualquer outro lugar do mundo, estaria no alto de pedestal, intocável, para ser contemplada.

Dói ainda mais ver ainda hoje a marca do preconceito, que a acompanhou por toda uma vida. Elza, que abdicou da sua carreira no auge para salvar a vida do homem que amava, vítima do álcool, persiste sendo rotulado como 'a mulher que desviou Garrinhca do caminho'. Ignorância e preconceito que me indignam.

Ela é aquele tipo de pessoa que tinha tudo para dar errado - mulher, negra, pobre, mãe de família ainda na adolescência. Mas Elza deu certo.


O título de cantora do milênio, concedido pela BBC de Londres, é só um detalhe, uma prova (como se precisasse!) de que, sim, estamos diante de uma entidade da Música Popular Brasileira. Mais: uma artista símbolo da resistência, da coragem, do talento que derruba barreiras. Uma mulher que fez o melhor que pode com o dom que Deus lhe deu.

Quando o show terminou e entrei no camarim, não estava com câmera nem nada para registrar. E nem queria. Na verdade, preferia que nada me distraísse daquele momento. De frente com Elza, me apressei em dizer apenas uma coisa, que minutos antes tinha enviado pela Bia ao celular. Piegas, como qualquer declaração apaixonada. Apaixonada e verdadeira, devo advertir:

"Esse show mudou minha vida"

E a diva, a cantora do milênio, a entidade, a menina de Água Santa, a estrela da minha Mocidade Independente, a bossa negra, a feiticeira do ritmo... fez uma pergunta simples, mas bastante interessada. Apesar de óbvia, confesso que não esperava:

"Por que?"

E eu, depois de tropeçar nas palavras, embargar a voz, encontrei as palavras que melhor respondiam aquela pergunta. Encontrei, em uma frase, uma síntese do que foi a noite. Uma explicação possível para tudo que vivi naqueles 60 minutos:

"Porque alguma coisa que saiu daí, tocou aqui"

13/07/2010

Cantando para não enlouquecer

Trechos da biografia de Elza Soares, eleita a cantora do milênio pela BBC. Terminei de ler hoje, e acho que todo mundo merece conhecer de perto essa mulher:

A maturidade chegou de forma precoce e traumática para Elza. Com apenas 12 anos se casou; aos 13, tornou-se mãe; aos 15, viu seu segundo filho, Edmundo, morrer de fome; aos 19, teve que doar Gerson, que também estava muito doente; aos 20, era mãe de cinco filhos, sendo quatro garotos de uma menina. Aos 21, ficou viúva.
(...)
Quando a dor se tornava insuportável, cantava e cantava, a fim de não enlouquecer.



“Cantando, é como se Elza fizesse uma grande catarse. Se levasse suas dores e sua agonia pessoal para o palco, talvez não suportasse. Então, o próprio organismo, com muita sabedoria, encontrou essa saída pelo lado artístico”.
Roberto Moura, crítico e musicólogo


“Uma grande sambista, extraordinária, brasileira demais para o pessoal da mídia. Intoleravelmente brasileira.”
Sérgio Cabral, jornalista e escritor


“Elza é uma daquelas pessoas que nos deixam um efeito tipo furacão”
Albino Pinheiro, produtor cultural


“Uma conjugação de garganta e útero, que resulta em um som abismante e magnético”
Ricardo Cravo Albin


“Em geral, só é reconhecido no Brasil quem se badala, consegue armar um marketing, penetra na mídia. Elza nunca usou esses recursos. Faz sucesso de verdade, e quem quiser que cumpra seu dever de divulgá-la”
Ricardo Cravo Albin


“Ela se insere no pequeno grupo dos que nasceram para se fazer acompanhar pelas multidões”
Rildo Hora, maestro


“Essa menina, se jogasse bola, seria Garrincha, e Garrincha, se cantasse, seria Elza”

Oswaldo Sargentelli, produtor de shows


“Elza faz o diabo com a voz. É uma artista arrasadora, devia ser chamada Bomba Musical. Jamais alguém fará o que ela fará cantando”
Milton Santos de Almeida, o Miltinho, cantor e pandeirista


“Ninguém lhe pode ser indiferente. A carga de emoção que ela transpõe ao emitir notas vocais excede”
José Carlos Rego, jornalista e antropólogo da dança e do samba


“É um símbolo de luta contra todos os preconceitos. Um exemplo de luta solitária. Sofrida, talentosa, perseverante. Encarna a alma de mulher brasileira”
Haroldo de Andrade, radialista


“Qualquer comparação soa forçada, porque na verdade Elza é única”
Tárik de Souza, crítico


“Um dia, seu valor será devidamente reconhecido”
Dona Zica, viúva de Cartola


“Um fenômeno!”
Billy Blanco





(Neste dia, ela ainda estava em recuperação clínica - havia acabado de sair da UTI, depois de uma complicação pós-cirurgia. Os médicos não aconselhavam a apresentação. Foi e fez simplesmente isso. Mais uma vez, brilhou!)