Engraçado, ouvi essa pergunta algumas vezes na última semana. Feita por amigos do serviço, da igreja, da família... Me dispus a pensar no tema e cheguei a uma conclusão - a Pitty faz pensar.
Óbvia a resposta, mas nada mais exato na definição dessa cantora. Bem ou mal, certo ou errado, ela faz pensar, suas músicas não terminam no fim, elas se estendem...
Tem mais: as canções exigem conhecimento prévio. A ignorância pode fazer com que as músicas pareçam mais óbvias do que realmente são. E, pelo contrário, as letras são complexas, cheias de citações, referências... é um exercício árduo traduzir o que cada frase diz.
Em "Fracasso" (com o excelente refrão "O fracasso lhe subiu à cabeça"), por exemplo, ela canta "O maestro bem falou/A ofensa é pessoal". Uma citação à Tom Jobim, que disse certa vez: "No Brasil, fazer sucesso é ofensa pessoal"
Outra música do novo CD chama-se "Desconstruindo Amélia" (!!!) e lá Pitty cita Balzac (!!!), com sua obra "A mulher de Trinta Anos". Em outra, tem uma frase do pensador Marquês de Sade, escondida no refrão ("Eu quero saber me querer, com toda a beleza e abominação, que há em mim").
Mais uma do CD recente: a música "8 ou 80" tem uma referência, ainda que não totalmente explícita, à Dostoiévsky - "Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio..."
Isso sem falar de "Admirável Chip Novo", seu primeiro sucesso, uma clara e inteligente releitura do "Admirável Mundo Novo", de Huxley - sem dúvida o livro mais inteligente que já li e um dos melhores que já foi escrito. Tem também o refrão "O homem é o lobo do homem", roubado do filósofo Tomás Hobbes, e encaixado perfeitamente na música "O Lobo".
E por aí vai... acredito até que em toda música tem uma pérola dessa escondida. O interessante é que, quanto mais escuto, mais coisas descubro. E quanto mais leio outras coisas, outros autores... acabo achando, sem querer, alguma citação que ouvi em determinada música...
Tá longo demais isso aqui já, mais do que palanejei. Mas essa é minha resposta, enfim, àqueles que não entendem esse meu gosto, em particular.
Amigos, a Pitty é phoda* (e não espere ela ir embora para perceber, rs**)!
* Troquei o "f" pelo "ph" apara não decepcionar ainda mais aqueles que já se chocaram com... com... com o que mesmo?
** Ahhh esqueci de citar essa música, "Me Adora". Fantástico também: parece uma canção de amor, mas também pode ser encarada como um recado (desabafo?) irônico à mídia, em especial aos críticos. Saca só:
Você que nem me ouve até o fim
Injustamente julga por prazer
Cuidado quando for falar de mim
E não desonre o meu nome
Perceba que não tem como saber
São só os seus palpites na sua mão
Sou mais do que o seu olho pode ver
Então não desonre o meu nome
Não importa se eu não sou o que você quer
Não é minha culpa a sua projeção
Aceito a apatia, se vier
Mas não desonre o meu nome
5 comentários:
Caraca! Que análise bacana!! Nun ca parei pra observar as letras dela e agora me chamou a atenção.
Já estou tão cansada de ver críticas estúpidas e análises superficiais sobre o trabalho da Pitty que encontrar esse post,simples e inteligente,foi um bálsamo. Que bom que alguém realmente entende que o trabalho dela não "acaba quando termina".Adorei!
todo o trabalho da Pitty é demais, quem crítica ela não sabe o que está fazendo, é porque nunca parou para ouvi-lá com atenção! a pitty é TUDO na minha vida ♥
Bacana. Adicionando à lista: Em Todos estão mudos, ela canta: "O corvo diz nunca mais" - Uma referência clara a uma das obras mais famosas do escritor de terror Edgar Allan Poe, o Corvo.
Outra coisa bem legal está na dedicatória do ACN (primeiro álbum). A Pitty cita Aldous Huxley, George Owrell e Isaac Asimov, como "os profetas". Pra quem ainda não conhece, esses caras são dos maiores - e melhores - escritores de ficção científica de todos os tempos! O título de profetas cai bem pois, apesar de escreverem ficção, as obras dos três possuem traços bem coincidentes com a realidade (o que é assustador).
Obss.: Huxley é o escritor de Admirável Mundo novo, que inspirou o nome do álbum e o 1984, um dos livros mais famosos do Owrell, segue uma linha de pensamento bem parecida (do tipo "Lá vem eles novamente eu sei o que vão fazer..." (1984 também tem referência nos realities "Big brother"... "O grande irmão", no livro, é quem controla e observa os cidadãos a todo tempo).
Asimov escreveu "Eu, robô" e mais tantos outros livros sobre esse "universo robótico". Dá pra sentir um pouco disso ao longo de ACN ("Aonde estão meus olhos de robô, eu não sabia...").
Enfim, muito justa a homenagem a esses três!
Muito legal sua análise. Eu sempre fiquei intrigada com as músicas dela. Sempre procuro o que ela esconde em cada linha. Ela é incrível.
Encontrei seu blog porque eu estou escrevendo sobre a música "Fracasso" e procurei a versão de La Fontaine. Acabei encontrando seu blog.
Show de bola. Adicionado aos favoritos, com louvor!! rsrsrsrs
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